Calendário

Redes de atendimento às mulheres em situação de violência demonstram fragilidades, diz estudo

violencia mulherA violência doméstica é considerada um problema de saúde pública, podendo levar a lesões, traumas e até a morte. Cerca de 70% dos agressores desse tipo de violência são parceiros ou ex-parceiros das mulheres. A Violência Perpetrada por Parceiro Íntimo (VPI) se destaca entre as formas de violência contra a mulher e inclui atos de agressão física, coerção sexual, abuso psicológico ou comportamentos controladores. As redes de atendimento às mulheres em situação de violência doméstica, consideradas redes sociais de acolhimento, são essenciais para que exista uma proteção e um cuidado mais efetivo na assistência. Porém, existem fragilidades nessas redes; a enfermeira e professora Walquiria Jesusmara dos Santos, investigou sobre esse tema em seu trabalho de doutorado, defendido no dia 19 de março, na Escola de Enfermagem da UFMG.

O objetivo do estudo foi analisar a configuração, a dinâmica e o apoio ofertado pelas redes sociais primárias e secundárias de mulheres em situação de violência doméstica perpetrada por parceiro íntimo, pela ótica das mulheres, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Das principais fragilidades encontradas na assistência dos serviços, foram evidenciadas: desarticulação entre os serviços da rede, despreparo profissional para o acolhimento da mulher e falhas na resolutividade do atendimento. A análise dos resultados referentes à rede secundária de atendimento à mulher em situação de violência demonstrou uma fragmentação, ou seja, uma divisão de tarefas prejudicial na atenção às mulheres em situação de violência, revelada pela desarticulação entre os serviços da rede institucional e despreparo de profissionais de alguns setores, o que pode afastar as usuárias ou mantê-las na mesma lógica de submissão, antes imposta pelo parceiro e agora pela instituição.

Para a análise proposta pela pesquisadora, foram entrevistadas 29 mulheres que sofreram pelo menos um episódio de VPI em algum momento da vida. Por se tratar de uma pesquisa qualitativa o que deve ser analisado é o material coletado durante a pesquisa de campo até encontrar a saturação de dados, ou seja, o importante é o que foi coletado nas entrevistas, a qualidade dos dados, e não necessariamente o número de mulheres entrevistadas.

As participantes da pesquisa tinham idade compreendida entre 20 e 62 anos, com predomínio da faixa etária de 30 a 49 anos (23 entrevistadas). A maioria (quinze) encontrava-se separada do parceiro no momento da entrevista. O nível de escolaridade variou entre mulheres com ensino fundamental incompleto e outras com pós-graduação, mas a maioria (12) tinha ensino fundamental completo ou incompleto. A mesma variação se deu com a renda familiar de um salário mínimo até mais de cinco salários. Das entrevistadas, 23 se declararam de raça negra; 23 relataram seguir alguma religião, sendo doze evangélicas. Todas tinham filhos e a quantidade variou de um a cinco; doze estavam em uso de medicamentos controlados. “Os dados sociodemográficos revelam que há grande variabilidade na faixa etária, escolaridade e renda das mulheres entrevistadas, compatível com o perfil das mulheres brasileiras em situação de violência”, revela a enfermeira.

A análise das entrevistas mostrou que a “desarticulação entre os serviços da rede” é um dos principais motivos de descontentamento, o que pode prejudicar a continuidade da assistência. Elas também relataram fatos vivenciados que mostram despreparo de profissionais dos serviços, falta de humanização no atendimento, quando não resolutivo, com interações que não encorajam a confiança, que não protegem as mulheres, que as expõem e as fragilizam ainda mais. “A credibilidade e a resolutividade dos serviços da rede especializada, além do apoio de familiares e amigos, favorecem a procura de ajuda profissional. Porém, quando as demandas das mulheres não são acolhidas e elas não se sentem apoiadas nas redes sociais de convivência ou institucionais, elas podem permanecer na situação de violência”, explica.

Potencialidades dos serviços no atendimento às mulheres em situação de violência
O estudo também revelou sobre as potencialidades que os serviços de atendimento às mulheres em situação de violência têm. Essa categoria apresentou narrativas das entrevistadas que mostram sentimentos de valorização da assistência recebida na rede, o que impacta positivamente no fortalecimento dessas mulheres; um fator crucial para a ruptura com a situação de violência.

“Da mesma forma que as falhas no acolhimento podem se configurar em um aspecto dificultador da manutenção da mulher na rede de atenção, a percepção de apoio e acolhimento foram aspectos positivos encontrados nas narrativas sobre a busca de atendimento nos órgãos públicos. Entre os serviços evidenciados pela oferta de acolhimento e formação de vínculos com profissionais, destacou-se o Centro de Referência e Atendimento à Mulher (CRAM), que funciona como articulador dos serviços da rede e suas ações visam contribuir para o fortalecimento da mulher em situação de violência na busca pela sua cidadania, por meio de acompanhamento permanente”.

Segundo a pesquisadora, o vínculo permite o estabelecimento de confiança entre a mulher em situação de violência e o profissional da rede de atendimento, sendo essa parte essencial para que essa mulher possa romper com o estigma e verbalizar sua situação e seus sentimentos. “Porém, os resultados mostram que as estratégias para o acolhimento das mulheres em situação de violência e a forma como são tratadas, variam conforme o serviço que as atende, o que se configura uma fragmentação da rede”.

A pesquisa conclui que é importante considerar que a violência doméstica contra a mulher é um fenômeno complexo e de caráter multidimensional, e as demandas das mulheres em situação de violência são diversificadas, sendo necessária a atuação conjunta de diversas áreas como jurídicas, de segurança pública, sociais, de saúde, de educação, trabalhistas, dentre outros. “Reconhecer as necessidades dessas mulheres é primordial para a organização da atenção e mudanças nas práticas de atenção nos Serviços da Rede de Enfrentamento”.

Ela ressaltou, ainda, que os serviços de saúde devem atuar de forma mais eficiente na detecção de situações de violência e serem mais ativos na articulação com os demais setores, por serem equipamentos importantes da rede institucionalizada e uma das principais portas de entrada de mulheres em situação de violência. “Para o fortalecimento da rede de atendimento e garantia de atendimento integral para as mulheres atendidas nos equipamentos dos diversos setores da rede, é imprescindível estabelecer uma comunicação efetiva entre os serviços, com a definição de fluxos e responsabilidades, além de um olhar interdisciplinar e transversal de todos os serviços e profissionais envolvidos. Mapear as redes sociais das mulheres em situação de violência pode ser uma estratégia privilegiada para a identificação das formas de mediação existentes, favorecendo a proposição e o planejamento de políticas públicas específicas”, enfatiza a pesquisadora.

Tese: Redes Sociais na Experiência de Mulheres em Situação de Violência Perpetrada por Parceiro Íntimo
Autora: Walquiria Jesusmara dos Santos
Orientadora: Professora Maria Imaculada de Fátima Freitas
Defesa: 19 de março de 2018, no Programa de Pós-graduação em Enfermagem/EEUFMG