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Estudo identifica baixa prevalência ao acesso à consulta neonatal na primeira semana de vida na atenção primária

Um estudo recém-publicado por pesquisadores da Escola de Enfermagem da UFMG constatou que, no Brasil, de cada 100 crianças,apenas 63 tiveram acesso à consulta neonatal com profissional de saúde na primeira semana de vida nos serviços de atenção primária. De autoria da aluna do 10º período do curso de Enfermagem Marina Cecília Belotti Oscar, dos professores da EEUFMG, Ed Wilson Rodrigues Vieira, Delma Aurélia da Silva Simão e da professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, Gabriela de Cássia Ribeiro, a pesquisa revelou, ainda, que crianças filhas de mães com idade entre 30 e 39 anos, quando comparadas àquelas de mães com 18 ou 19 anos, e filhas de mães solo, quando comparadas às de mães casadas ou em união estável, tiveram maior prevalência no acesso. Além disso, crianças da região Norte tiveram menor incidência no acesso do que crianças vivendo nas demais regiões do país.

A pesquisa teve como objetivo identificar a prevalência e fatores relacionados ao acesso à consulta neonatal na primeira semana de vida no Brasil, e utilizou dados secundários do inquérito nacional transversal: o terceiro ciclo de avaliações externas do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Foram analisados dados de 14.133 mães usuárias de serviços de atenção primária. Os dados foram coletados entre setembro de 2017 e outubro de 2018 em todas as regiões do país. Foi conduzido pelo Ministério da Saúde em parceria com 41 instituições federais de ensino e pesquisa, lideradas pela Fiocruz.

Bebe recem nascido PexelsConsulta neonatal na primeira semana de vida na atenção primária: baixa prevalência e fatores relacionados. Foto: Pexels

Em relação ao estado civil, crianças filhas de mães solo tiveram maior prevalência de acesso do que aquelas de mães casadas ou que viviam em união estável. Segundo Marina, primeira autora do estudo, a idade da mãe influenciou significativamente o acesso à atenção primária. “Filhos de mães mais velhas tiveram uma maior prevalência. Além disso, raça ou cor da mãe e região de residência também influenciaram significativamente, tendo se identificado maior prevalência de acesso entre filhos de mães brancas e entre aqueles que viviam na região Sul”, diz ela.

Barreiras para o cuidado integral
A estudante relata, ainda, que o resultado sobre a prevalência de acesso à consulta neonatal na primeira semana de vida nos serviços de atenção primária indica que há importantes barreiras para a continuidade do cuidado integral à criança na Rede de Atenção à Saúde do Brasil. “Nosso estudo mostrou que filhos de mães com idade entre 30 e 39 anos tiveram mais acesso à consulta que filhos de mães adolescentes. Esse resultado pode estar relacionado ao maior acesso à assistência pré-natal por mulheres na faixa dos 30 anos, o que aumenta as chances de recém-nascidos retornarem para consultas na primeira semana de vida”.

Outro fator explicativo apontado em estudos prévios, de acordo com a pesquisadora, é que filhos de mães adolescentes apresentam menor chance de acessar a consulta com profissional na primeira semana de vida. Entre crianças filhas de mães que se declararam solo, a prevalência de acesso à consulta neonatal na primeira semana de vida foi maior do que entre aquelas filhas de mães casadas ou em união estável. “Esse resultado contraria um forte estigma social de inferioridade e incapacidade sobre mulheres que não estão inseridas em uma relação conjugal. No Brasil, tal estigma sofre grande influência do cristianismo, que reconhece o matrimônio como a única possibilidade de constituição de família. Em consonância, durante muito tempo, o matrimônio esteve atrelado a um melhor status social para a mulher. Porém, alguns estudos apontaram que a existência de um parceiro fixo pode ser vista como um fator positivo para incentivo ao comparecimento a consultas e ao seguimento das orientações”.

Marina alerta que a região Norte apresenta os chamados “vazios assistenciais”, que são áreas extensas territorialmente cobertas por poucos serviços de saúde. “Esse resultado deve ser considerado com bastante cuidado, uma vez que a região Norte tem se mantido com as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do Brasil. Em alguns estados, como Amazonas e Acre, as equipes se concentram nas margens dos grandes rios e, em outros, como Pará, Rondônia e Tocantins, os serviços estão concentrados ao longo das estradas, deixando descobertas as populações que vivem distantes desses locais”.

Contribuições para a área da Enfermagem, saúde ou política pública
O estudo demonstra que o acesso à consulta neonatal na primeira semana de vida está aquém do ideal e que fatores regionais, idade e estado civil materno o influenciam. “O reconhecimento da baixa prevalência de acesso, bem como dos fatores relacionados, sob os aspectos regionais e maternos, pode contribuir para a compreensão de que os cuidados integrais na primeira semana de vida precisam ser ampliados”, ressalta Marina.

Ela pontua que ao mostrar que nascer na região Norte está relacionado a menor acesso aos cuidados pós-natais por recém-nascidos, espera-se que as partes interessadas canalizem recursos para corrigir essa discrepância e para aumentar a prevalência de acesso no Brasil como um todo para fazer frente à mortalidade infantil, sobretudo neonatal. “Reforçamos que o estabelecimento de vínculo precoce entre as equipes da atenção primária e o binômio mãe e filho é primordial para a garantia do acompanhamento integral do crescimento e desenvolvimento da criança, reduzindo sensivelmente as chances de intercorrências futuras. Serviços mais acessíveis, do ponto de vista geográfico, e equipes empenhadas em uma atenção integral e equitativa serão fundamentais na ampliação do acesso”.

A pesquisadora destaca, ainda, o pioneirismo e a importância da pesquisa. “Este estudo retrata de forma pioneira o acesso à consulta neonatal na primeira semana de vida no Sistema Único de Saúde em todo o país. Nossos resultados poderão ser úteis ao fortalecimento das políticas públicas e das recomendações de organismos internacionais envolvidos com a questão da mortalidade infantil, sobretudo a neonatal precoce. O reconhecimento da influência de fatores regionais e sociodemográficos maternos no acesso poderá contribuir para o enfrentamento de falhas assistenciais nos primeiros dias de vida das crianças”, enfatiza.

Raio X da pesquisa:
Título: Consulta neonatal na primeira semana de vida na atenção primária:
baixa prevalência e fatores relacionados
Autores: Marina Cecília Belotti Oscar, Delma Aurélia da Silva Simão, Gabriela de Cássia Ribeiro, Ed Wilson Rodrigues Vieira
Publicação: Revista Brasileira de Enfermagem - REBEn em 30 de março de 2022