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Vacina em estudo na UFMG pode proteger mulheres e bebês dos efeitos da cocaína na gravidez

estudo gravidezEm artigo publicado na Molecular Psychiatry, revista do grupo Nature, pesquisadores da UFMG demonstram que o uso de vacina anticocaína desenvolvida na Universidade pode proteger grávidas e seus bebês durante a gestação e a amamentação. Os experimentos em fase pré-clínica mostraram que o medicamento é eficaz para inibir os efeitos da cocaína no cérebro durante a gestação e a amamentação, com produção de anticorpos do tipo IgG.

O uso da cocaína na gravidez está associado a quadros graves, tanto na gestante quanto no feto, com repercussões ao longo da vida da criança. Alguns dos problemas para a mãe usuária de cocaína são pré-eclâmpsia grave, aborto espontâneo e parto prematuro com complicações. Os filhos podem ter baixo peso ao nascer, malformações e síndrome de abstinência no recém-nascido.

Quando a vacina foi injetada em ratas grávidas, os anticorpos gerados impediram ou reduziram a passagem de cocaína para o cérebro da mãe e para os fetos, pela placenta. Além disso, os pesquisadores identificaram que os anticorpos passam pelo leite, protegendo também os recém-nascidos.

O estudo é uma prova de conceito para a utilização da vacina anticocaína durante a gestação. “O uso de crack e cocaína na gravidez é problema de saúde pública, pois a droga afeta não só o feto, mas a mãe e a criança em médio e longo prazos. Por isso, essa solução pode beneficiar as novas gerações e oferecer, de forma inovadora, prevenção primária em saúde mental”, afirma o professor Frederico Garcia, do Departamento de Saúde Mental (SAM) da Faculdade de Medicina da UFMG, um dos coordenadores da equipe. Segundo ele, os resultados “têm grande relevância científica, já que não existe nenhum tratamento aprovado por agências reguladoras mundiais para esse fim”.

Foram feitos dois experimentos que compararam a criação de anticorpos pelo uso da cocaína e pela aplicação da vacina. A vacina estimulou a produção de anticorpos em quantidades de quatro a seis vezes superiores ao do uso da droga. Ao todo, 26 animais foram testados, sendo metade de cada experimento em grupo controle utilizando placebo. Comparadas às mães tratadas com placebo, as mães vacinadas durante a gestação apresentaram maior ganho de peso gestacional e maior tamanho da ninhada. Entre os benefícios, as mães vacinadas tiveram ninhadas significativamente maiores no parto (27% maiores) e também no desmame (37%).

Esses resultados sugerem que a vacinação anticocaína com o produto GNE-KLH, como é chamada a molécula, pode exercer efeito protetor em ratos. Os resultados também indicam que o leite da mãe contém IgG anticocaína. Os filhos das mães vacinadas apresentaram IgG até o sétimo dia após o desmame e tiveram os efeitos locomotores e desinibitórios da cocaína mais baixos, sugerindo que o efeito protetor do anticorpo da mãe pode se estender aos filhotes, pelo menos até o desmame.

A molécula GNE-KLH foi criada a partir da modificação da cocaína e é uma proteína capaz de induzir a produção de anticorpos. O estudo teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Secretaria Nacional de Política sobre Drogas e da Câmara dos Deputados, por meio de emenda parlamentar do deputado federal Hugo Leal (RJ).

Participaram do estudo os professores do SAM, Frederico Garcia e Maila de Castro; a professora da Faculdade de Farmácia da UFMG, Gisele Goulart; o professor do Instituto de Ciências Exatas, Ângelo de Fátima; e os pesquisadores do Núcleo de Pesquisa em Vulnerabilidade e Saúde (NAVeS) do SAM, Paulo Sérgio de Almeida, Raissa Pereira, Sordaini Caligiorne, Brian Sabato, Bruna Assis, Larissa do Espírito Santo e Karine Reis.

Os pesquisadores estão em busca de recursos para a realização das próximas etapas da pesquisa.

Prevenção de danos em saúde mental
O problema do uso de cocaína durante a gestação afeta boa parte das mães dependentes da substância e seus bebês, uma vez que apenas 25% consegue interromper o uso na gravidez, segundo dados da literatura. A cocaína produz vasoconstrição placentária, com diminuição do fluxo sanguíneo da placenta; reduz a disponibilidade de nutrientes, as trocas de sinalização embrionária, as eliminação de metabólitos e o ganho de peso materno; além de aumentar o risco de aborto.

Essa é uma das primeiras estratégias de prevenção em saúde mental com medicamentos. “Geralmente a prevenção em saúde mental está ligada a comportamentos, também por isso essa solução é tão inovadora. Nosso objetivo é ajudar essas mães, que sofrem tanto pelo vício, e garantir a saúde desses bebês, para que possam superar esse momento com mais tranquilidade”, afirma o professor Frederico Garcia.

A equipe da UFMG vem desenvolvendo e testando vacinas anticocaína desde 2013. Os pesquisadores são da Faculdade de Medicina, do Instituto de Ciências Exatas e da Faculdade de Farmácia. Além de tratar usuários de drogas, ao inibir os efeitos da cocaína e do crack no cérebro de usuários, os pesquisadores visam também outras aplicações futuras para essa tecnologia.

Outra molécula desenvolvida na UFMG e que é testada como potencial vacina anticocaína já teve a patente depositada pela Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da Universidade e, neste momento, está em fase de licenciamento na Anvisa para o início dos testes clínicos, ou seja, envolvendo seres humanos.

(Centro de Comunicação da UFMG)