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Profissionais de saúde discutem desafios da assistência obstétrica e neonatal em Belo Horizonte

No dia 16 de agosto, foi realizado o seminário “Nascer em Belo Horizonte: prática obstétrica e demandas de cuidado”. Profissionais de saúde, gestores dos serviços, professores e estudantes se reuniram no Auditório Maria Sinno da Escola de Enfermagem da UFMG para discutirem as demandas de cuidado para a assistência obstétrica e neonatal em Belo Horizonte a partir dos resultados da pesquisa Nascer em BH.

De acordo com uma das coordenadoras do evento, professora Eunice Francisca Martins, a pesquisa traz um retrato da situação do pré-natal e parto no município. “Podemos dizer que as gestantes estão tendo a acesso ao pré-natal e parto sem dificuldade. O número preconizado de consultas está sendo realizado. Contudo, o pré-natal precisa avançar em termos qualitativos, especialmente na forma como as informações são trabalhadas com as gestantes”, pontuou.
Eunice destacou que tem sido alta a proporção de gestantes classificadas como de alto risco (cerca de 25,0% do total), contudo a rede assistencial está organizada e essas gestantes não tem tido dificuldade de acesso ao pré-natal de alto risco. Cerca de 40,0% dos nascimentos ocorridos no município são de gestantes provenientes de outras cidades, a maioria da região metropolitana. “Outro resultado importante é em relação a atenção ao processo de parto e nascimento. Nas maternidades públicas a utilização das chamadas boas práticas no trabalho de parto e parto (práticas recomendadas pela Organização mundial de saúde para favorecer o nascimento, tais como não restrição da dieta durante o trabalho de parto, uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor e deambulação) são bem superiores em relação às maternidades privadas, bem como o percentual de partos vaginais (70,0% x 25,0%)”, destacou.

euniceProfessora Eunice Martins apresentando a estrutura das maternidades, cesáreas desnecessárias e desfechos neonatais

Práticas favoráveis ao recém-nascido, tais como o aleitamento materno e contato precoce com a mãe na 1ª hora de vida também foram avaliados. Constatou-se que 70,0% dos recém-nascidos a termo e sem alterações ao nascer, tiveram contato precoce direto na primeira hora de vida, contudo ainda foi alta a prevalência de práticas não recomendadas de rotina para o recém-nascido, tais como a aspiração de vias aéreas e gástrica. Segundo a professora, o aleitamento materno ocorreu para na 1ª hora de vida para 57,9% dos recém-nascidos e quase 90% das mulheres e seus filhos, foram juntos para o quarto após o nascimento.

Maria do Carmo Leal, médica e pesquisadora titular da Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, apresentou os resultados do projeto Nascer no Brasil e os aspectos da saúde mental e materna. Segundo dados da pesquisa, 55% das mulheres não pretendiam engravidar. “Isso mostra que é preciso mais suporte para a área de planejamento familiar. Aconteceu mais entre as adolescentes: somente 1/3 delas teve a intenção de engravidar. Está associado com a condição de pobreza dessas mulheres, de sofrimento psíquico, uso excessivo de bebida alcoólica, mulheres que estão sem os companheiros e sem trabalho remunerado”, conta a pesquisadora.

Ainda de acordo com ela, a prematuridade no Brasil é muito alta: 11,5%. As ocorrências são mais comuns nas regiões Norte e Nordeste e acontecem na mesma magnitude no setor público e privado. “Essa prematuridade foi associada com um pré-natal ruim, infecções na hora da internação, condição sócio econômica desfavorável das mulheres. O outro tipo de prematuridade é a intervenção obstétrica, provocada por meio de uma cesariana e que corresponde a 40% no Brasil. Ela está associada ao nascimento no setor privado, entre as mulheres mais velhas e com alta escolaridade”.

DSC 0628Maria do Carmo Leal abordou o impacto da pesquisa Nascer no Brasil na sociedade

Maria do Carmo Leal afirmou também que, depois dessa pesquisa, foi possível entender por que no Brasil as mulheres desejam mais a cesárea que nos outros países. “A forma como elas são atendidas para ter assistência ao parto normal é de um modo geral muito ruim, momento de ameaça ao bem estar delas com intervenções dolorosas e desnecessárias. Isso faz com que elas pensem que a melhor solução é ter um parto anestesiado”.

O estudo Nascer em BH teve um papel também de trazer informações para essa luta contra esse modelo de assistência ao parto. “Há uma série de maus tratos que acontecem durante o trabalho de parto que fazem com que seja uma agonia, um desespero, ao invés de ser um momento de celebração da vida que não seria necessário se fosse organizado um pré-natal e a assistência ao parto de outra maneira”, finaliza Maria do Carmo.

Kleyde Ventura também comentou os resultados da pesquisa em relação à atenção obstétrica. No estudo, feito com 312 mulheres, foram coletados dados que dimensionam a prática de assistência ao parto em que as enfermeiras obstétricas são inseridas. Cerca de 75% dos partos foram assistidos por esses profissionais especializados. “Quando as enfermeiras obstétricas estão inseridas, há maior chance de práticas recomendadas em evidencias científicas e benéficas para as mulheres, como a oferta de líquidos ou dieta, livre movimentação durante o trabalho de parto, presença de acompanhante e uso de métodos não farmacológicos para alivio da dor durante o trabalho de parto”, conta a professora

DSC 0766Os resultados dos estudos sobre a atenção obstétrica foram apresentados pela professora Kleyde Ventura

Para Kleyde, é preciso pensar em uma filosofia do cuidado. “A inserção dessas enfermeiras qualifica o cuidado, mas é preciso também agregar uma filosofia que considere a mulher como protagonista do seu processo, que reconheça a fisiologia do processo de parto e nascimento e que incorpore, definitivamente, práticas baseadas em evidencias científicas. É fundamental cultivar esse modelo de atenção humanizada já durante a formação profissional, dentro da Universidade”.

Em palestra, a professora Lívia Errico apresentou um índice para medir e classificar a vulnerabilidade social das mulheres grávidas que participaram no estudo Nascer em BH. Segundo ela, com a ferramenta, foi possível identificar quais são as mulheres mais vulneráveis e os riscos que poderão surgir durante a gravidez. “Queremos que esse índice seja um instrumento de trabalho do profissional de saúde no atendimento a gestante para a construção de um plano de cuidado especifico para as necessidades de cada mulher”, conta a professora.

Lívia elencou alguns dos fatores utilizados durante o estudo, como renda, escolaridade, etnia, moradia, emprego e número de filhos, para classificar as mulheres participantes em três níveis de vulnerabilidade: baixa, média e alta. “Aquela identificada como mais vulnerável foi uma mulher negra, de 15 anos de idade, solteira e grávida do primeiro filho”.

liviaLívia érrico falou sobre a vulnerabilidade social e a atenção à mulher no ciclo gravídico puerperal: uma proposta

Como proposta de enfrentamento, a professora defende que “o profissional não pode apenas focar nos aspectos clínicos da paciente. Ele precisa também ampliar a busca pelas necessidades de atenção da gestante”.

Regina Pessoa de Aguiar, médica obstétrica e presidente do Comitê Estadual de Prevenção de Mortalidade Materna, Infantil e Fetal de Minas Gerais, afirmou que o evento é de extrema importância. “É uma oportunidade única conhecer esses dados e permitir que essa reflexão vá além do que os números mostram. São essas contribuições que fazem um pensar diferente em saúde”, ressaltou.

O evento foi organizado pelas professoras Eunice Francisca Martins, Lívia de Souza Pancrácio de Errico e Paula Gonçalves Bicalho do grupo TECEnf- Tecnologias de Ensino e Cuidado em Enfermagem. Contou, ainda, com a colaboração dos alunos Anna Claúdia Santos Prado; Otávio Júnior da Costa; Indiane Almeida da Silva, Valquíria Souza Viana, Vanessa Aparecida dos Santos Pereira e Débora Lorrane Gonçalves Santos e Juliana Nazelli Usch Moreira e com o apoio da professora Torcata Amorim.