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Pesquisadoras do NEPHANS destacam o geoprocessamento na vigilância epidemiológica da hanseníase

As pesquisadoras Gabriela de Cássia Ribeiro e Rayssa Nogueira Rodrigues, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Hanseníase (NEPHANS), liderado pelo professor Francisco Carlos Félix Lana, da Escola de Enfermagem da UFMG, destacam a importância do geoprocessamento no planejamento das ações do programa de controle da hanseníase, com capacidade regional, sub-regional e até nacional em matéria de vigilância e monitoramento. Com o objetivo de ampliar o escopo das ações de vigilância epidemiológica, as pesquisadoras realizaram a análise espacial para estimar a ocorrência da doença em Diamantina e Brasil, por meio do geoprocessamento.


reunião temática Gabriela e Rayssa2Gabriela e Rayssa em reunião temática sobre geoprocessamento

Utilizada desde 2008 no NEPHANS, a ferramenta tem subsidiado diversas pesquisas sobre a hanseníase. Os estudos mais recentes, de autoria das pesquisadoras Gabriela Ribeiro e Rayssa Rodrigues, abordaram a Prevalência e distribuição da infecção pelo Mycobacterium leprae por meio de marcadores sorológicos e geoprocessamento em Diamantina, Minas Gerais e Áreas de alto risco de hanseníase no Brasil, período 2001-2015, respectivamente.

Por meio do geoprocessamento, disciplina que utiliza um conjunto de tecnologias de tratamento e manipulação de dados geográficos com suporte de programas computacionais, as pesquisadoras fizeram o mapeamento das ocorrências. Os resultados contribuem com o monitoramento da extensão da cobertura do tratamento poliquimioterápico da hanseníase; fornecendo a análise gráfica dos indicadores epidemiológicos; mostrando a distribuição espacial da doença com a identificação das áreas com alta endemicidade e daquelas que têm necessidade de alocação de recursos extras.

A hanseníase no Brasil
Apesar de pouco se falar sobre a hanseníase no Brasil, o país é hoje o segundo em número de casos da doença milenar, ficando atrás apenas da Índia, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS). Popularmente conhecida como lepra, a hanseníase é uma das doenças mais antigas com registro de casos na China, Egito e Índia há mais de 4000 anos.

Trata-se de doença crônica e infectocontagiosa causada pela bactéria Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen, que atinge principalmente a pele e os nervos periféricos. A doença tem cura, mas o tratamento exige persistência e disciplina e, se não tratada, pode deixar sequelas. Hoje, em todo o mundo, o tratamento é oferecido gratuitamente, pois o objetivo é que a hanseníase deixe de ser um problema de saúde pública.

Dados divulgados pelo Ministério da Saúde, no ano passado, informam o registro de 208.619 casos em 2018, sendo 30.957 na região das Américas e 28.660 desses (92,6% do total das Américas) notificados no Brasil. Ainda, do total de casos novos diagnosticados no Brasil, 1.705(5,9%) ocorreram em menores de 15 anos. Em 2019, de acordo com o DATASUS, no estado de Minas Gerais, foram notificados 1.495 casos da doença, sendo 157 em Belo Horizonte.

Resultados do estudo desenvolvido em Diamantina
A pesquisa, realizada no município de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, tem caráter inovador, uma vez que une duas técnicas para subsidiar a vigilância epidemiológica da hanseníase em um município de média endemicidade. Foi um estudo transversal, composto por três populações: casos notificados entre 2001 a 2014 e contatos de hanseníase; escolares de 7 a 14 anos matriculados em escolas estaduais do município de Diamantina e familiares e vizinhos de escolares soropositivos e vizinhos de casos de hanseníase, que residiam em um raio de 100 metros. Foram realizados testes sorológicos e georreferenciamento dos endereços.

Gabriela DiamantinaOs casos de hanseníase soropositivos, conforme a pesquisa, foram registrados na zona rural, onde mais pessoas residem em um domicílio e onde dois ou mais moradores dormiam em um mesmo cômodo. Os contatos de hanseníase soropositivos mostraram significância estatística com a sorologia em relação à faixa etária, sendo a maioria, idosos e 75,0%, cônjuges.

Entre os escolares soropositivos, houve relevância estatística para o sexo, 75% eram meninas, com cicatriz de BCG, a quase totalidade era vacinada (94,4%) e em relação à convivência, 69,4% residiam com mais de quatro pessoas no domicílio e 80,6% dividiam o quarto com outra pessoa.

Para a população composta pelos vizinhos e familiares de escolares soropositivos e vizinhos de casos de hanseníase, a sorologia positiva foi de 28,2%, valor alto em relação a outros estudos. Houve mais chance de sorologia positiva entre os mais jovens; entre aqueles que residem em domicílios com menos cômodos, com renda familiar em torno de um salário mínimo.

No que se refere ao geoprocessamento, a concentração de casos e escolares soropositivos ocorreu em áreas geográficas distintas no município, mas de menor renda familiar per capita. Houve a presença de sorologia positiva em todos os setores censitários do município onde a pesquisa foi realizada e uma concentração nos setores censitários fora da área de maior notificação de casos.

Os testes sorológicos foram capazes de indicar a cadeia de transmissão ativa, e a análise espacial, o padrão de distribuição da endemia no município, contribuindo para o planejamento das ações de prevenção pela gestão. “Sugere-se estudos que utilizem amostras longitudinais e amostras de todos os setores censitários do município a fim de acompanhar os participantes soropositivos e monitorar a prevalência oculta da hanseníase”, concluiu Gabriela Ribeiro.

Concentração geográfica e baixa renda
Conforme explica Rayssa Rodrigues, trata-se de um estudo epidemiológico de análise espacial, segundo dados dos municípios brasileiros, a partir da estatística scan espacial. Seu objetivo foi identificar agrupamentos espaciais e medir o risco relativo a partir do indicador taxa de detecção anual de casos novos de hanseníase.

“A estatística scan espacial detectou 26 clusters (áreas que concentram maior número de casos da doença) em que a taxa de detecção foi de 59,19 casos por 100 mil habitantes, enquanto no restante do país foi de 11,76. Grande parte da área de clusters está situada na Amazônia Legal. Esses grupos incluíram apenas 21,34% da população total, mas 60,40% dos novos casos da doença do período”.

De acordo com a pesquisa, dentre os municípios que formaram os clusters, quatro apresentaram a taxa média de hanseníase igual a zero:Ribeirão dos Índios (SP), Bela Vista do Piauí (PI), Monte Formoso (MG)e Caridade do Piauí (PI).Rio Grande do Norte foi o estado que apresentou a maior razão de taxas (6,43), seguido pelos estados da Bahia (4,96) e Minas Gerais (4,88). Paradoxalmente, nos estados do Amapá (0,99) e Piauí (0,94), os maiores riscos para contrair a doença estavam localizados em áreas fora de clusters.

“Ressalta-se ainda os estados de Rondônia, Mato Grosso e Acre, cujos percentuais de população incluídos em clusters foram os maiores do Brasil. Por outro lado, para alguns estados, não há informações apresentadas. Isso decorre da ausência de municípios incluídos nos clusters”, enfatiza Rayssa Rodrigues.

A pesquisadora relata que as variações geográficas são uma característica marcante da hanseníase. “Mesmo em nível nacional, a ocorrência é mais comum em certos locais do que em outros. Evidências apontam que a distribuição heterogênea pode estar associada à baixa renda ou a fatores específicos do hospedeiro, como os determinantes imunológicos e genéticos”.

A conclusão do estudo é de que a hanseníase permanece concentrada em algumas áreas, apontando a necessidade de os programas de controle intensificarem ações nesses municípios.

As pesquisadoras enfatizaram, ainda, que no primeiro estudo, o geoprocessamento identificou infecção pelo Mycobtaeriumleprae nas áreas prioritárias para investir em ações de controle e no segundo, contribuirá na organização do serviço e desempenho dos profissionais de saúde.

Janeiro Roxo: mês de conscientização sobre a hanseníase
Essa realidade deu origem à campanha Janeiro Roxo, do Ministério da Saúde, em 2016, que busca conscientizar a população sobre os sintomas e o tratamento da hanseníase. No entanto, mesmo que o país alcance a meta de eliminação da doença como problema de saúde pública, a negligência das ações pode mantê-lo na situação de endemia, conforme mostram as pesquisas.

HaanseniaseDesde a instituição da campanha, são desenvolvidas ações que buscam a atenção da população e dos profissionais de saúde em relação aos sinais e sintomas, diagnóstico, tratamento e prevenção da doença durante todo o mês de janeiro. O último domingo do mês é marcado como o Dia Mundial de Luta Contra a Hanseníase.

A bactéria da hanseníase é transmitida pelas vias respiratórias por meio do convívio prolongado com um doente que não está em tratamento, por contato com gotículas de saliva ou secreções do nariz. A hanseníase manifesta-se por meio de manchas brancas, vermelhas ou marrons em qualquer parte do corpo, que são pouco visíveis e com limites imprecisos. As manchas apresentam alteração de sensibilidade à dor, ao tato e à temperatura, e também, perda de pelos e ausência de transpiração. 

NEPHANS
O Núcleo de Estudos e Pesquisas em Hanseníase se caracteriza como um grupo de pesquisadores com proposta de colaboração e intercâmbio no campo da investigação em hanseníase, envolvendo aspectos relacionados à prevenção, diagnóstico, tratamento, epidemiologia e controle da endemia hansênica. A proposta é que o NEPHANS se configure em espaço de diálogo transdisciplinar envolvendo diferentes áreas do conhecimento de modo a investigar aspectos conceituais e metodológicos da pesquisa em hanseníase, com ênfase nas áreas de epidemiologia, determinantes sociais, análise espacial, imunologia/biologia molecular, comunicação, educação em saúde e avaliação de serviços de saúde na perspectiva de produzir evidências capazes de subsidiar o desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias e estratégias para o controle da hanseníase no plano individual e coletivo.