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As múltiplas faces do ‘novo normal’: professores da UFMG analisam o mundo pós-pandemia

A comunidade da UFMG vive momentos de ansiedade, imersa em uma realidade que nunca foi vivida antes. Entretanto, a instituição "vem enfrentando essa situação com altivez, responsabilidade e solidariedade, em um processo de construção conjunta”, afirmou a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, na abertura, na terça-feira, 30, de webinar organizado pelo Comitê Permanente de Enfrentamento à Covid-19 da UFMG. O evento reuniu especialistas da Universidade que expuseram reflexões, sob pontos de vista diferentes, sobre o chamado “novo normal”, expressão usada para definir as mudanças provocadas pela pandemia.

“A Universidade ainda não tem data para retomar as atividades presencialmente, e o momento é de preservar a vida, mantendo o isolamento social”, reiterou Sandra Goulart. Entretanto, ela lembrou que o Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (Cepe) aprovou, na semana passada, a retomada de algumas atividades acadêmicas de forma emergencial e remota.

WEBINAR UFMG2

Nesta quarta, 1º de julho, a pós-graduação dará início a algumas atividades em regime remoto. No caso da graduação, a previsão de retorno das aulas, também a distância, é para 3 de agosto. A reitora destacou as ações que estão sendo implantadas para viabilizar essa retomada, especialmente em relação à inclusão digital dos estudantes, como o edital lançado para apoiar mestrandos e doutorandos sem bolsa para aquisição de pacote de dados de internet.

Ainda nesta terça, antecipou a reitora, deverão ser lançados mais quatro editais para apoio aos estudantes da graduação em condição de vulnerabilidade socioeconômica, para compra de equipamentos, aquisição de dados de internet, de programas de acessibilidade e empréstimo de equipamentos. A UFMG também tem oferecido cursos a distância, para capacitação e integração de estudantes e professores às tecnologias da informação.

“A oferta de subsídios para inclusão digital é fundamental nesse planejamento, especialmente quando não há perspectiva da retomada presencial. A portaria 544, do Ministério da Educação, aprovada no dia 16 de junho, nos autoriza a estender a suspensão das atividades presenciais até dezembro de 2020 e a organizar atividades de ensino remoto emergencial nesse período”, observou.

Espaços físicos
Quanto à retomada das atividades presenciais, mesmo sem previsão de quando ela poderá ocorrer com segurança, o professor e diretor da Escola de Arquitetura, Maurício Campomori, apresentou estudo sobre os espaços físicos da Universidade, para subsidiar o comitê. “Trata-se de trabalho muito complexo, considerando o cenário de incerteza e a diversidade tanto da comunidade acadêmica quanto dos espaços físicos da UFMG", salientou.

O professor expôs um resumo das propostas, que serão materializadas em cartilhas, tanto para orientar as unidades acadêmicas sobre as adaptações e aquisição de equipamentos, quanto a comunidade, que deverá incorporar novos hábitos.

O professor explicou que também caberá à própria comunidade universitária, quando for possível o retorno, apresentar suas contribuições, considerando os protocolos sanitários de enfrentamento à pandemia.

Como exemplos, Campomori citou o distanciamento entre mesas de trabalho, higienização desses espaços, ventilação, rodízio de turnos, definição de grupos de risco e de membros da comunidade que convivem com pessoas com comorbidades. “A dimensão da dificuldade que enfrentamos pode ser ilustrada com o número de mortes que já supera os da Guerra do Vietnã, que durou mais de uma década”, disse o professor, que, no entanto, deixou uma palavra de alento. “Cito Santo Agostinho para dizer que o tempo presente contém todos os tempos. Então, o futuro significa esperança”, afirmou.
Respostas políticas
Para a professora Fernanda Cimini, da Faculdade de Ciências Econômicas, que coordena, no Brasil, as atividades do Polimap, repositório global de respostas políticas para o enfrentamento da Covid-19, o retorno ao “novo normal” impõe a urgência de projetos mais distributivos de renda, para romper com o que já não deveria ser “normal” na atualidade, as desigualdades socioeconômicas.

Segundo ela, a plataforma conta com equipe de 40 estudantes voluntários para análise das respostas políticas à pandemia e destaca quatro eixos principais em suas análises. O primeiro é o achatamento da curva, que contempla medidas como o isolamento social escalonado, desde o indivíduo ao lockdown de cidades ou países, testes e rastreamentos, que favorecem maior flexibilização em países onde os índices de testagem da população são maiores.

O segundo eixo diz respeito ao aumento de capacidade de resposta relacionado ao investimento nos sistemas de saúde. “Países investiriam em três frentes principais: infraestrutura hospitalar, contratação e capacitação de profissionais da saúde e mudança de protocolos, como ocorreu no Brasil, com a regulamentação da telessaúde”, relatou.

Uma terceira frente é a preocupação dos governos com a mitigação econômica e social, decorrente de reflexos nas áreas da cultura e serviços. O quarto eixo é o da governança, que, segundo Fernanda Cimini, “revela como os governos lidam com as incertezas”. A professora destacou, no eixo da governança, os riscos à democracia – que vieram à tona, no caso brasileiro, com os ataques feitos ao Congresso e a própria presença maciça de militares no governo – e a capacidade limitada dos governos de implantar políticas sociais e econômicas emergenciais.

“Precisamos urgentemente pensar projetos mais distributivos de renda e refletir sobre a instabilidade econômica gerada pela dependência de commodities, a fragilidade institucional e a necessidade de respostas políticas a problemas que já estão presentes nesses países”, concluiu.

Vida em suspenso
A professora Teresa Kurimoto, do Departamento de Enfermagem Aplicada da Escola de Enfermagem, ministrou a comunicação Desafios da pandemia, relações interpessoais e bem comum. Ela tratou dos problemas decorrentes da experiência do isolamento social como espécie de “vida em suspenso”, de “vida entre parênteses”, de “rascunho de vida”. Para ela, é um equívoco imaginar que o pós-pandemia se configurará em um simples retorno à situação anterior. “Temos que controlar as nossas expectativas sobre o que virá, e o tão falado novo normal, para impedir que esse excesso de conjecturas intermináveis siga nos fazendo perder o tempo de viver”, aconselhou.

Profa Teresa KurimotoTeresa Kurimoto recorreu a Freud para lembrar que as ameaças partem de três frentes: do corpo, do mundo externo e das relações com outros seres humanos, e que o sofrimento origina-se de alterações em alguma dessas frentes. Em sua avaliação, a pandemia consegue envolver as três dimensões. “É como se elas estivessem nos ameaçando simultaneamente.”

A professora também afirmou que os limites do ‘eu’ e do ‘outro’ estão mais borrados. “Decisões individuais, que antes estavam circunscritas apenas ao âmbito pessoal, agora impactam a vida do outro. Usar máscara, circular ou não, adotar etiquetas respiratórias não são mais medidas de foro apenas individual, mas que podem afetar o outro”, exemplificou.

Kurimoto também tratou dos impactos do aumento da convivência com as pessoas com quem se vive. “Para muitos, ficar em casa, hoje, pode significar conviver com aqueles com quem só se coabitava, e isso tem efeitos bastante significativos do ponto de vista das relações”, afirmou. Ao mesmo tempo, o desafio transcende a convivência com o outro – também é preciso suportar a si mesmo. “Tudo foi gravemente mudado”, resumiu.
Ruptura cultural
Em sua comunicação, a professora Lívia Borges, aposentada do Departamento de Psicologia da Fafich, falou sobre Trabalho e família no mesmo tempo e espaço. Ela traçou um histórico das relações entre a vida profissional e a vida familiar na sociedade ocidental. Segundo ela, foi em razão do capitalismo que esses dois ambientes – do trabalho e o doméstico – se separaram, e é também em razão do capitalismo que eles começam a se reencontrar.

Livia lembrou que as relações entre o trabalho e a família – e as dificuldades geradas por elas – já são bem reconhecidas na literatura. O que a pandemia teria trazido de novo é a obrigatoriedade do trabalho remoto, forçando muitas pessoas a conjugar a vida do trabalho e a vida em família em um mesmo espaço e tempo, sem que condições tenham sido oferecidas para essa transição. “Com o home office, o sujeito traz uma série de demandas para a sua casa, inclusive de recursos, como equipamentos e energia”, disse.

A psicóloga salientou que as pessoas que mais privavam de uma separação mais clara entre o ambiente de trabalho e o ambiente familiar tendem a ser as que sentirão mais a compulsoriedade da atual conjuntura. “Muitas pessoas não se dão conta, mas estamos tornando espaços privados em espaços públicos, e isso é, sem dúvida, muito ameaçador. É uma ruptura cultural com tudo que a gente aprendeu em nossa história de separar os ambientes do trabalho e o ambiente de casa", disse.

Livia também lembrou que há uma tendência de se considerar que a situação é mais complicada para as pessoas que moram com familiares. No entanto, argumentou, as pessoas que vivem sozinhas têm uma série de demandas específicas. Em razão disso, planejamentos são necessários para todos os casos. “As pessoas têm partido da ideia de tentar fazer em casa tudo o que faziam no trabalho, quando na verdade a vida doméstica acrescenta uma série de coisas à rotina – sem contar que a própria administração da casa tornou-se mais complexa. Disso decorre a necessidade de todos ajustarmos as expectativas”, defendeu.
Protocolos sanitários
Como representante do subcomitê criado para apoiar o Comitê Permanente de Enfrentamento do Novo Coronavírus da UFMG, a professora Erna Kroon, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), abordou o tema biossegurança e protocolos sanitários

Kroon expôs uma série de protocolos sanitários já bem difundidos, como o uso correto das máscaras e o cuidado com a higiene pessoal, mas lembrou alguns procedimentos para os quais muitos ainda não se atentam, como o risco de contaminação em banheiros públicos, em razão de aerossóis oriundos das descargas dos vasos, e a entrada em casa com os sapatos vindos da rua, que podem ser vetores de contaminação.

A professora explicou que há quatro índices de classificação, que vão de NB-1 a NB-4, e que o novo coronavírus, denominado Sars-CoV-2, se enquadraria na categoria NB-3, a penúltima em gravidade. “Em relação ao Sars-CoV-2, quando avaliamos os riscos biológicos, consideramos alguns pontos, como a probabilidade do dano ou doença. Nesse caso, temos um índice em torno de 2% de mortalidade, que é extremamente alto. Temos também uma patogenicidade alta e uma via de transmissão que complica tudo, que é a aérea. Também temos uma elevada estabilidade do agente infeccioso: esse vírus permanece dias no meio ambiente, o que não é muito comum para esse tipo de agente, que em geral vive apenas algumas horas”, afirmou a professora.

O webinar Reflexões sobre a nova normalidade foi transmitido pelo canal da Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) no YouTube, onde sua gravação está disponível.
(Com Centro de Comunicação da UFMG)