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Alimentação saudável será mais cara do que a não saudável a partir de 2026

supermercadoO prognóstico assusta quem se preocupa com uma alimentação saudável. Carnes, frutas e verduras devem se tornar mais caras do que salsichas, doces e outras guloseimas de 2026 em diante. A constatação é de pesquisa conduzida por pesquisadores da Escola de Enfermagem que mediu e comparou a variação nos preços dos 102 tipos de alimentos mais consumidos no país no período entre 1995 e 2017.

As doutorandas do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da UFMG Emanuella Gomes Maia, Camila Mendes dos Passos, o orientador e professor do Departamento de Nutrição da Escola de Enfermagem da UFMG, Rafael Moreira Claro, Renata Bertazzi Levy, da USP e Ana Paula Bortoletto Martins e Laís Amaral Mais, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) projetaram as oscilações no valor dos itens alimentares até 2030 com informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Eles encontraram um ponto de inversão no qual a comida saudável se torna mais cara do que a comida que também é conhecida como "porcaria".

Em 2017, os alimentos saudáveis tinham preço médio de R$ 4,69 por quilograma e os não-saudáveis, de R$ 6,62 por quilo. Em 2026, o custo de ambos se tornaria igual, prevê a pesquisa. Em 2030, os cientistas calculam que a comida saudável teria valor de R$ 5,24 por quilo, enquanto a comida "porcaria" teria custo de R$ 4,34 por quilo.

A carne, por exemplo, é um alimento que, segundo o estudo, tornou-se mais caro em relação à salsicha, considerada um substituto para proteínas de origem animal. No período entre 1995 e 2002, o embutido tinha um preço médio de R$ 10,30 por quilo, enquanto a carne, de R$ 9,08.

No intervalo entre 2003 e 2010, o valor do quilo dos dois alimentos se aproxima. R$ 11,81 para as salsichas e R$ 11,28 para a carne. A pesquisa mostra que no período seguinte a posição dos dois itens se inverte. As salsichas passam a custar R$ 11,33 por quilo e as carnes, R$ 13,10 por quilo.

As conclusões do estudo foram publicadas em inglês em 19 de janeiro, na última edição da revista científica Public Health Nutrition , da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Constam no artigo "What to expect from the price of healthy and unhealthy foods over time? The case from Brazil" ("O que esperar do preço das comidas saudáveis e não-saudáveis com o tempo? O caso do Brasil", em tradução livre).

“Hoje ainda é possível ter uma alimentação saudável. O Brasil tem uma composição alimentar que é barata, com o arroz e o feijão, mas isso pode se inverter nos próximos anos. Cada vez mais, as pessoas estão trocando refeições por lanches”, afirmou a doutoranda Emanuella Gomes Maia.

Os pesquisadores usaram os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e do Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor (SNIPC), que calcula vários índices de preço, dentre eles o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), para verificar quais os tipos de comida mais consumidos no país e calcularam o custo médio. Os valores encontrados foram corrigidos de acordo com a inflação acumulada até 2017, último ano com dados disponíveis no estudo.

Eles dividiram e agruparam os 102 itens de maior consumo conforme a classificação do Guia Alimentar para a População Brasileira, um documento do Ministério da Saúde que oferece orientações sobre comer de forma adequada e saudável.

O Guia Alimentar divide os alimentos em quatro grupos. Primeiro, in natura e/ou minimamente processados, como arroz, feijão, carnes frescas, frutas e verduras. Em segundo, os ingredientes culinários, como sal, açúcar e óleos usados para cozinhar. Depois, os processados, como pães frescos, massas, enlatados e geléias, que são tradicionalmente consumidos no Brasil e em outros países.

Finalmente, há os ultraprocessados, como salsichas, salgadinhos, macarrões instantâneos e outras guloseimas também conhecidas como "porcaria". São itens obtidos a partir de fragmentos de outros alimentos, aditivos químicos e preparados com complexas técnicas industriais. Na prateleira, geralmente, são aqueles produtos com cinco ou mais ingredientes de nomes pouco familiares (maltodextrina, p.ex.) no rótulo.

O documento do governo federal recomenda dar preferência aos alimentos in natura e/ou minimamente processados e diz para evitar os ultraprocessados.

No estudo, essa foi a orientação que os pesquisadores utilizaram para dividir a comida entre saudável e não-saudável. Eles também se fundamentaram em evidências científicas que associam o consumo de ultraprocessados ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como câncer, diabetes, hipertensão, problemas cardiovasculares etc.

Um problema de saúde pública
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 71% das mortes em 2016 no planeta decorreram de doenças crônicas não transmissíveis. O Ministério da Saúde diz que estes males foram responsáveis por 74% do total de óbitos no mesmo ano.

Os pesquisadores afirmam que preços acessíveis para alimentos saudáveis podem contribuir para a saúde pública. "O custo da comida deveria encorajar o consumo de alimentos saudáveis, in natura e/ou minimamente processados, e desencorajar o consumo de alimentos não-saudáveis ultraprocessados."

Eles citam políticas que podem reverter ou retardar o cenário esperado para 2026. Uma ação seria criar um imposto sobre a venda de refrigerantes, a exemplo do que fez o México. Esta medida, entretanto, encontra resistência na classe política brasileira, que, segundo a pesquisa, é avessa à adoção de tributos e próxima de empresas que produzem comida ultraprocessada. O estudo cita reportagem do Joio que mostra que o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) é dono de uma das maiores engarrafadoras de refrigerante no país.

Outra ação seria acabar com subsídios oferecidos às empresas de bebidas alocadas na Zona Franca de Manaus, uma iniciativa que tem o apoio da rede de organizações da sociedade civil Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.

Motivos desconhecidos
Apesar do achado inédito, o estudo sobre a tendência de preços tem limitações, como ao não revelar os motivos que estão fomentando essas mudanças. Para explicar a tendência constatada, os pesquisadores fazem suposições. Os subsídios concedidos às empresas de refrigerantes em Manaus, segundo eles, pode ser uma das razões.

Outra, o apoio que o governo federal oferece às produções de monoculturas como soja, milho e cana de açúcar, que servem de matéria-prima para os itens ultraprocessados. Os cientistas afirmam que a assistência governamental ao agronegócio é muito mais generosa da que à oferecida a agricultores familiares que produzem frutas e verduras.

Uma última hipótese para explicar a variação dos preços tem relação com a otimização dos processos da fabricação de alimentos. O estudo começa em 1995, e de lá para cá, os avanços tecnológicos devem ter facilitado a produção de ultraprocessados.

"A expansão das grandes redes de supermercado e da indústria tem colaborado para o acesso das pessoas aos ultraprocessados. A ausência de políticas públicas, também, permite o acesso sem qualquer tipo de regulação. São alimentos práticos, e no cotidiano as pessoas evitam gastar tempo na cozinha", declara Camila.

Além disso, os pesquisadores afirmam que os alimentos estudados são uma quantia pequena comparada à quantidade total de itens à venda no mercado, mas que refletem os itens mais comprados pela população brasileira (aproximadamente 63% da energia total adquirida).

A pesquisa foi baseada exclusivamente em compras para consumo doméstico. Como os preços dos alimentos fora de casa tendem a ser mais altos, é provável que os preços dos grupos de alimentos relatados tenham sido subestimados. No entanto, como o consumo das famílias ainda tem um papel importante no consumo de alimentos no Brasil (cerca de 83% das calorias consumidas), os valores apresentados nos resultados podem ser vistos como uma proxy confiável para os preços dos alimentos no país.

“O preço é muito importante para incentivar uma alimentação saudável”, reforça Emanuella. Ela afirma que pretende, ao lado dos outros pesquisadores, continuar monitorando o custo dos alimentos. O objetivo deles é ajudar a formular políticas públicas que possam reverter a tendência de preços e, assim, dar prioridade à comida saudável.

(Com O Joio e O Trigo)