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Alimentação saudável nas escolas: bem mais que uma escolha individual

Por Larissa Mendes e Milene Pessoa*
O que comer ou não comer é uma questão antiga entre pais e filhos. Recentemente, o debate foi ampliado para o papel das escolas na alimentação das crianças e adolescentes. Uma dúvida que pode surgir é: será que limitar a oferta de alimentos não saudáveis nas escolas é dever do estado ou deveria ser um direito de escolha dos pais, estudantes e da comunidade escolar?

Para responder à pergunta, vamos contextualizar alguns fatos. Na década de 1990, um importante pesquisador da área de nutrição populacional foi pioneiro no estudo sobre a influência do ambiente como um dos fatores relacionados à obesidade. Segundo ele, o acesso facilitado aos estabelecimentos de venda de alimentos não saudáveis pode interferir no aumento da ingestão calórica, o que caracterizaria este ambiente alimentar como obesogênico.

Credito Istok2Será que isso faz sentido nas escolas? Pensemos em alguns números: crianças e adolescentes permanecem por um longo período do dia, e cerca de 200 dias do ano, nas escolas. Em geral, consomem de uma a duas refeições durante o horário escolar, o que corresponde de 30 a 50% de sua ingestão alimentar diária. Assim, a qualidade dos alimentos disponíveis pode influenciar de maneira significativa na saúde das crianças e adolescentes.

O ambiente alimentar das escolas também tem sido apontado como um importante fator que influencia os altos índices de excesso de peso (uma em cada três crianças) em função da disponibilidade e do acesso ao que é comercializado nas cantinas e lanchonetes. Estudos nacionais apontam que a maioria dos lanches vendidos nesses locais apresenta baixo teor de nutrientes benéficos à saúde e alto teor de açúcar, gordura e sódio.

Outra informação relevante é que a má nutrição em todas as suas formas, incluindo a obesidade e a desnutrição é, de longe, a principal causa (19%) de mortes prematuras no mundo todo. Além disso, um importante fator que contribui para o aumento do peso da população mais jovem é justamente o consumo dos alimentos com excesso de açúcar, gordura e sódio, conhecidos como produtos ultraprocessados .

Mais uma importante justificativa para responder sobre a necessidade de regulamentar o ambiente alimentar escolar é o fato de que os principais sistemas alimentares atuais não são favoráveis à saúde, mas sim aos lucros das grandes corporações do setor, especialmente fabricantes de produtos ultraprocessados. Entretanto, lobby pesado e outras estratégias, como a tentativa de influenciar a opinião pública, são usados por empresas de alimentação e bebidas para garantir que seus interesses comerciais prevaleçam, em detrimento de políticas públicas promotoras da alimentação adequada e saudável.

O apoio para a decisão de regulamentar o ambiente alimentar escolar vem da OMS (Organização Mundial da Saúde) e de outras entidades nacionais e internacionais, que incentivam os países a implementar esforços para modificar os ambientes que hoje estão aumentando a chance de obesidade em nossas crianças. Como exemplo, em 2016, o Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra iniciou um projeto para a criação de zonas livres de produtos ultraprocessados dentro e ao redor das escolas de Londres. Ações similares são observadas nas escolas da Austrália, França, Chile, México, Costa Rica e até mesmo dos Estados Unidos. No Brasil, poucos estados e cidades seguem essa tendência mundial.

Diante desses fatos, as ações de educação alimentar e nutricional de forma isolada não são suficientes para o enfrentamento da obesidade infantil. Além disso, alimentação saudável não é simplesmente uma questão de escolha individual. Trata-se de um direito garantido pela nossa Constituição Federal e também é obrigação do Estado – tanto em âmbito federal, quanto estadual e municipal. Este direito humano, fundamental e social está previsto nos artigos 6º e 227º da Constituição, definido pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, bem como no artigo 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e outros instrumentos jurídicos internacionais.

Para garantir esse direito, é essencial desenvolver e apoiar legislações que proíbam a comercialização de alimentos e bebidas não saudáveis e promovam um ambiente alimentar escolar saudável de modo a contribuir para o pleno desenvolvimento de nossas crianças e adolescentes.

Professoras do Departamento de Nutrição da EEUFMG*
Fonte: alimentacaosaudavel.org.br/