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Combate à violência obstétrica: comece entendendo o termo

Violencia MulherO termo violência obstétrica geralmente é associado a situações que ocorrem durante o parto. No entanto, “ele deve ser aplicado a qualquer tratamento ou cuidado indevido dado a uma gestante, seja na gravidez, seja no parto, seja no puerpério”, segundo a professora aposentada do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG, Regina Aguiar, técnica na Coordenadoria de Atenção às Mulheres e a Criança da Secretaria Estadual de Saúde (MG).

Não tratar pelo nome e dizer que a mulher engravidou porque queria são exemplos de formas de violência obstétrica, embora não estejam diretamente relacionadas ao momento do nascimento do bebê. Uma em cada quatro mulheres brasileiras já sofreu alguma violência no atendimento ao parto, de acordo com pesquisa da Fundação Perseu Abramo, realizada em 2010 (confira detalhes, a partir da página 173).

Em entrevista ao Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina (CCS), Regina Aguiar explica quais são as situações que podem caracterizar esse tipo de violência e comenta a criação da Lei Estadual n°23175, que dispõe sobre a garantia de atendimento humanizado à gestante, à parturiente e à mulher em situação de abortamento. Confira a seguir:

O que caracteriza a violência obstétrica?

RA: Tem sido feita uma leitura muito equivocada do termo violência obstétrica. É um conceito que envolve qualquer pessoa que, ao tratar ou cuidar da gestante, faça isso de uma forma inadequada e indevida. Então, pode envolver desde a pessoa da recepção do pronto atendimento à pessoa que faz a limpeza da enfermaria. Também envolve os funcionários que assistem aquela mulher — seja médico ou enfermeiro. Ou mesmo um familiar que, por causa do estado da gravidez, tenha uma atitude inadequada com essa gestante.

Negar anestesia a uma mulher que deseja anestesia, é violência obstétrica. Mas deixar de oferecer métodos não farmacológicos de dor também é uma forma de violência, por exemplo. E nós estamos falando de todas as formas de violência: verbal, do uso indevido da técnica e da violência física também, que é extremamente sério. Inclusive, na mulher grávida, a violência física tem uma característica muito peculiar. Isso porque, na maioria das vezes em que ela é violentada, mesmo no puerpério, há relação direta com essa gravidez. Mulheres são assassinadas por causa de gravidez, suicidam, são espancadas por causa de gravidez…

De que modo a lei aprovada no estado ajuda no combate à violência?

RA: Vários estados têm essa lei. A que foi aprovada em Minas traz um recorte interessante, pois amplia a discussão. A lei chama atenção para o fato de que a violência obstétrica não é um ato de uma profissão ou local, mas sim de um processo do cuidado da mulher. A lei especifica várias situações (ouça alguns exemplos no áudio a seguir):

Além disso, a lei estimula a entender a violência obstétrica sem um recorte ideológico ou de disputa de categorias. O que ela faz é estimular a reflexão de uma relação humana que, lamentavelmente, perdeu muito essa coisa do diálogo, do cuidado, do ouvir o outro. Outro ponto interessante é que a lei lembra que não estamos falando só de gravidez bem sucedida, mas de mulheres que têm aborto e das que perdem os filhos logo após o nascimento.

A senhora avalia que o debate sobre o tema tem crescido?

RA: Sim. Mas temos visto programas de televisão e rádio com pessoas mostrando absoluto desconhecimento do que queremos dizer com esse termo. Alguns movimentos também personalizam o ato em um personagem ou um procedimento. Então, essa é uma discussão extremamente importante na valorização do cuidado, tanto do ponto de vista técnico, quanto do cuidado como um todo.

É lógico que têm procedimentos na assistência obstétrica que, hoje, o conhecimento científico diz que não são necessários. Isso não quer dizer que, lá atrás, isso foi um erro. O conhecimento é mutável e avança. E, às vezes, o avanço faz com que algumas coisas que eram valorizadas passem a ser desnecessárias.

A senhora poderia citar alguns exemplos dessas mudanças?

RA: Antigamente, as mulheres iam para o trabalho de parto e era rotina colocar soro, fazer lavagem intestinal e fazer o que a gente chama de tricotomia (corte dos pelos). Isso tudo tinha fundamento naquela época. A gente também achava que era fundamental para proteger a grávida de alguns riscos que ela ficasse em jejum absoluto. Hoje, sabemos que isso não é necessário. Por que dar alimento pela veia como rotina, então? Se eles não trazem benefício, não faz sentido que eles existam.

Avançar na produção de conhecimento é uma forma de combater a violência obstétrica, então?

RA: É fundamental. Quanto mais você informa, e informa de forma correta, melhor. Informar de maneria tendenciosa também é um ato violento. Temos que mostrar o que o conhecimento hoje diz qual é a melhor prática, o que é dispensável e o que não deve ser feito. E isso de uma forma honesta de comunicar. Por exemplo: a mulher tem que saber que o banho de chuveiro ajuda muito no controle da dor, assim como tem várias formas de massagem, de uso de bola e escadas que fazem com que esse período específico possa ser vivenciado de uma forma mais agradável. Não tem por que não oferecer isso, salvo raríssimas situações em que é contraindicado por uma condição clínica da mulher ou da criança. E aí é preciso que a gente explique para ela porque aquilo não pode ser feito.

E para além do parto, quais informações são essenciais?

RA: Para além do parto, é preciso explicar por que e quais os exames ela vai fazer no pré-natal, o resultado desses exames e o que eles mudam no cuidado individual dela. Estamos falando de resgatar uma relação do profissional com a mulher que não seja uma relação de subjugar, do tipo: ‘eu sei o que é melhor pra você, portanto, eu te falo o que é e você acredita em mim’. Não. Eu tenho que falar o que temos e o que podemos fazer e você vai participar das decisões.

Este é o primeiro ano da Semana Estadual de Combate À Violência Obstétrica. Qual a importância da data?

RA: Conversamos para utilizarem a Semana para dar informação sobre isso e para criar, ao longo do ano, ações que visem fazer debates, no nível das instituições hospitalares, nos centros de saúde, na Atenção Básica de modo geral e com grupos de gestantes. A discussão respeitosa entre profissionais, família e mulheres é fundamental. Tanto que Secretaria Estadual de Saúde realizou videoconferência no mês passado para capacitar as Unidades Regionais de Saúde sobre a lei e ações da semana.
(Com Centro de Comunicação da Faculdade de Medicina)