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Saúde indígena e trajetória acadêmica: Otávio Costa, da etnia Kaxixó, conclui graduação em Enfermagem

“Acredito poder contribuir com a qualidade de saúde dos povos indígenas, seja do meu povo ou em qualquer outra etnia”, é com essa expectativa e desejo que o aluno do curso de Enfermagem da Escola de Enfermagem da UFMG, Otávio Júnior da Costa, da etnia de Kaxixó - grupo indígena que habita o município brasileiro de Martinho Campos em Minas Gerais -, fala sobre a sua formatura. Otávio é o terceiro aluno indígena a se formar no curso de Enfermagem por meio do programa de vagas suplementares. O estudante apresenta seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) nesta sexta-feira, 7 de dezembro, com a temática em saúde indígena sobre obesidade e fatores relacionados na população Kaxixó, com orientação da professora Lívia de Souza Pancrácio de Errico.

otávio costa12Para Otávio, a formação de estudantes indígenas na área da saúde é necessária e importante, pois preenche uma demanda dos povos nativos que carecem de profissionais que entendam suas vivências. “A saúde indígena requer atenção diferenciada, pois as singularidades encontradas em cada comunidade refletem muito na forma e maneira como somos atendidos”, afirma o estudante.

Ele conta que, muitas vezes, as crenças e costumes dos povos indígenas são desrespeitadas no atendimento em saúde, havendo, ainda, imposição da medicina ocidental, desconsiderando o que a medicina tradicional indígena representa. “A saúde indígena é diferenciada nesse sentido, acreditamos que o ambiente em saúde deve compreender as nossas ancestralidades e respeitar as diferentes formas de ser tratado e curado”, argumenta.

A trajetória de Otávio na universidade começou, assim como a maioria dos estudantes, com a felicidade da aprovação. “Ver o meu nome na lista dos aprovados do vestibular da UFMG, era uma alegria imensa e que até hoje eu não sei explicar direito a sensação. Foi ímpar e memorável”, relata. Porém, o primeiro contato com o meio universitário não foi tão amigável e o preconceito da comunidade acadêmica e da sociedade em geral apareceram para Otávio ainda no início da graduação. “Logo no primeiro período, cheguei a ouvir de colegas coisas como ‘índio falso’ e ‘lugar de índio é no mato’. Fiquei constrangido e me levou para um processo entristecedor, onde eu não queria mais me assumir para as pessoas enquanto um estudante indígena”, narra.

O apoio da comunidade Kaxixó fez a diferença nesse sentido. Depois do início conturbado, Otávio conta que passou a retornar mais para sua comunidade e lá reafirmava sua origem e ancestralidades. Além disso, o contato com outros estudantes indígenas que enfrentam os mesmos desafios ajudou o aluno da enfermagem. “Nos fortalecemos enquanto grupo de estudantes indígenas e reerguemos para o nosso foco principal: tornarmos profissionais de saúde e retribuir a nossa graduação ao nosso povo”.

Felizmente, à medida que o futuro enfermeiro progredia na graduação, as dificuldades diminuíram. Ocupar espaços e trazer visibilidade a presença indígena foi uma das causas que Otávio chama de evolução social. “Me tornei pioneiro na criação de uma Associação Atlética Acadêmica da Saúde da Escola de Enfermagem. Os desafios são diversos e, por isso, hoje, eu acredito numa evolução social. Pude ser visto de uma outra forma e ser respeitado pelas minhas tradições e cultura”. Além de diretor da Associação Atlética, o estudante promoveu eventos com a temática indígena, contribuiu em projetos de pesquisa e foi bolsista de extensão em Pediatria e no PET (Programa de Educação Tutorial) Indígena.

Vinculado como bolsista do PET desde 2016, o acadêmico narra a importância do programa na sua graduação. “Através do PET, pude ter experiências de perto do elo entre comunidade e faculdade, identifiquei um problema de saúde (Obesidade) dentro da comunidade e juntamente com meu povo, nos reunimos e decidimos trazê-lo para UFMG, onde trabalhamos os principais pontos que podem levar os Kaxixós para o acúmulo excessivo de gordura corporal”, conta. Foi este o tema do TCC de Otávio que teve como objetivo identificar o perfil nutricional dos Kaxixó e apontar o que está levando a comunidade a esse quadro de sobrepeso/obesidade.

Após a formatura, já atuando como enfermeiro, Otávio pretende voltar à comunidade. “O retorno é esperado, mas o manejo das vagas ainda é questionador, pois na minha etnia já existe a presença de uma indígena como enfermeira atuando dentro da terra indígena Kaxixó”, disse. Apesar da incerteza, o estudante apresenta entusiasmo e diz se sentir preparado para aplicar os ensinamentos da graduação. “Quero construir um trabalho em parceria com a comunidade e manter vivo os cuidados medicinais relacionados ao uso de ervas e xamãs. É chegada a hora do retorno, fui capacitado e muito bem instruído para prestar uma assistência humanizada e sempre respeitando os princípios éticos e culturais de cada um”, conclui.
Redação: Teresa Cristina– estagiária de Jornalismo
Edição: Rosânia Felipe